Comunidades Terapêuticas em novas configurações do manicomialismo

Daniele de Andrade Ferrazza, Raphael Rodrigues Sanches, Luiz Carlos da Rocha, José Sterza Justo

Resumo


Ainda que pesem insuficiências evidentes, é possível perceber que a Política Nacional de Saúde Mental propõe claramente a superação da velha concepção manicomialista, que marcou durante séculos o atendimento à população. Entretanto, a expansão de internações em comunidades terapêuticas destinadas ao tratamento das dependências químicas pode ser considerada um retrocesso na luta antimanicomial brasileira. O presente trabalho tem o objetivo de estudar, a partir de um ponto de vista de inspiração genealógica, as internações nas comunidades terapêuticas, com especial atenção as suas relações com a história do aprisionamento manicomial e controle biopolítico populacional. Assim, paradoxal ao Movimento da Reforma Psiquiátrica, as internações nas comunidades terapêuticas, que seguem a lógica proibicionista e concepções moralizantes, têm se mostrado como uma das principais estratégias biopolíticas de exclusão, segregação e higienização para ordenação e controle de concentrações urbanas.


Palavras-chave


Reforma Psiquiátrica; Comunidades terapêuticas; Dependências químicas

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